quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O papel da mídia na cobertura sobre assuntos relacionados à infância e adolescência

Tema foi discutido em palestra ministrada por Adriano Guerra e Carolina Silveira para os estudantes de jornalismo da Universidade Fumec



A turma do oitavo período de jornalismo da Universidade Fumec recebeu, na última quarta feira (05), o coordenador executivo da Oficina de Imagens, Adriano Guerra e a coordenadora de projetos da Rede ANDI Brasil em Minas Gerais, Carolina Silveira. O encontro teve como objetivo discutir a ética da imprensa ao tratar assuntos relacionados à infância e adolescência. Os palestrantes foram convidados por serem jornalistas engajados no assunto, por meio da Oficina de Imagens, e, também pela parceria com a Rede ANDI - Comunicação e Direitos.

Guerra explicou aos alunos um pouco da história da criação destas instituições, bem como o trabalho de ambas. O jornalista contou que a ANDI foi fundada em 1993, por um grupo de jornalistas e pessoas ligadas ao movimento da criança, com o objetivo de promover e fortalecer um diálogo profissional e ético entre as redações, as faculdades de comunicação e de outros campos do conhecimento, os poderes públicos e as entidades relacionadas à agenda do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos.

A Oficina de Imagens surgiu cinco anos depois. Foi fundada por colegas de faculdade do curso de jornalismo, que queriam levar a comunicação e os conhecimentos adquiridos para fora do ambiente acadêmico, principalmente a discussão política do direito da criança e do adolescente.

A Oficina e a Rede ANDI trabalham com o foco na cobertura de notícias relacionadas com a infância e a adolescência porque querem acompanhar de perto como está sendo desenvolvido o papel do jornalismo, que ocupa um destaque importante na formação do pensamento da sociedade civil. “O papel do jornalismo é prover um conteúdo com informação contextualizada, ou seja, é dar insumos a sociedade em relação aos seus direitos, colocar os temas relevantes na pauta e também, por outro lado, fazer um trabalho de cão de guarda que é monitorar, pressionar, controlar aquilo que é de violação de direitos, fazer denúncias etc. No caso da infância a gente tem um grande desafio. A percepção de que todas as crianças, independente da cor e classe social, devem ser protegidas contra as maldades do mundo é muito recente na sociedade. Foi uma mudança de legislação e de mentalidade. Mentalidade a gente não muda com decreto”, explica Guerra.

Além de apresentar o trabalho das instituições, questões a cerca de censura, cobertura de crimes que chocaram a população, como o caso do garoto João Hélio e da menina Isabela Nardoni, foram discutidos na palestra. Por trás desses temas, também é necessário debater a questão dos direitos humanos, que fica esquecido pela cobertura midiática. “O marco dos direitos humanos é uma coisa que deveria ser olhado com mais cuidado para poder refletir sobre essas situações que envolvem crianças e adolescentes e o seu retrato na mídia”, ressalta Carolina.

Uma pesquisa feita pela ANDI foi apresentada aos estudantes sobre a repercussão do tema na mídia. Os dados são uma comparação entre o ano de 1996 e 2009. A pesquisa mostra que temas que envolvem educação e violência vem polarizando o topo de assunto mais publicados pelos veículos de comunicação. Segundo Guerra, também houve uma melhora qualitativa nas matérias sobre infância e adolescência nos últimos anos. “A cobertura muito factual perdeu um pouco de espaço. Há mais reportagens contextualizando os fatos, muita matéria produzida para prêmios, um sinal que os jornais estão investindo no assunto”, afirma.

Entretanto, muito ainda se deve aprimorar no trabalho jornalístico voltado para a área. É preciso que os veículos entendam os fatos que envolvem crianças e adolescentes como uma situação de política pública.

A Rede ANDI orienta aos jornalistas que evitem identificar a criança ou adolescente envolvido, que não publique foto, que tenha cuidado redobrado ao entrevistar a vítima. Mas a própria legislação brasileira é ambígua na hora de definir o que deve e o que não deve mostrar em uma matéria. Na hora de escolher o que publicar, depende muito da percepção do jornalista que está em campo, cobrindo a matéria e do seu conhecimento sobre a legislação. “O que nós questionamos é se é realmente necessário uma exposição grande sobre um fato”, diz Carolina.

Com esses questionamentos e exemplos, a palestra foi importante, pois permitiu que observássemos com mais cautela como a mídia trata assuntos envolvendo crianças e adolescentes na pauta da discussão ética. Muitas vezes, o assunto passa despercebido por nós. Vimos que é essencial que os jornalistas tratem o assunto com mais seriedade e compromisso. A preparação para abordar acontecimentos relacionados ao tema é primordial, visto que uma reportagem que menciona qualquer informação que seja possível o reconhecimento da criança, pode gerar danos profundos na vida desta pessoa e dos seus familiares.

A mídia, muitas vezes, em busca de audiência, ignora a legislação e expõe crianças e adolescentes a situações vexatórias. Repórteres despreparados são colocados para cobrirem os fatos, forçando crianças vítimas de violência a darem entrevistas repetitivas, em busca de revelações e detalhes inéditos dos casos.

Além disso, podemos perceber que apesar do crescimento do tema na agenda midiática, poucas matérias tratam o assunto de forma mais ampla. A grande parte das matérias envolvendo crianças e adolescentes trata do episódio de violência sofrido ou praticado pelo menor, sendo que, na maioria das vezes, o acontecimento é algo maior, reflexo da pobreza, falta de acesso a educação, questões culturais e sociais. Pouco tem-se falado sobre políticas públicas em nosso dias, por isso instituições como a ANDI e a Oficina de Imagens fazem um trabalho importante na conscientização dos próprios jornalistas, atingindo, assim, toda a sociedade.

Um comentário:

  1. Há dados muito significativos na apresentação dos representantes da Oficina de Imagem: o tema "criança e adolescente" tem tido mais visibilidade na mídia desde que a Andi iniciou a metodologia de acompanhamento da cobertura. Também há alguma mudança de tratamento, seguindo orientação do ECA, que substituiu o Estatuto do Menor. No entanto, há uma lacuna quando o assunto é cobertura de políticas públicas. Esse é, provavelmente, um dos pontos a colocar em discussão. Precisamos discutir melhor os temas apresentados em sala de aula. Outra questão importante: pensar a cobertura a partir da representação de grupos específicos, como crianças e adolescentes (mas também vale para mulheres, negros, homosssexuais, pobres por exemplo), apresenta uma questão de fundo para todo jornalista: qual ou quais são os critérios que orientam a cobertura? O que define o que é e o que não é notícia? A proposta de pensar a representação de grupos e produção de imagem deles pela mídia implica propõe o desenvolvimento humano como questão central. São contrapontos ao critério exclusivamente mercantil. Podemos conversar sobre isso, não acham que rende uma boa pauta para reflexões profissionais?

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