quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobre ética, moral e princípios – O jornalista e suas fonte

Por Roberta Terra

Em meio ao turbilhão de acontecimentos que moldam o mundo, sejam eles noticiosos ou não, temos a ética como um preceito fundamental à nossas ações do dia-a-dia. Por estar sempre presente em nossas vivências, acreditamos que ela seja a resposta de nossos princípios, ações e de nosso caráter.

A ética nos é, portanto, inerente. Mais ainda aos que se fazem jornalistas. Aqui, ela se torna duplamente necessária, pois se presta ao homem e ao profissional, sempre interessado em buscar a verdade. Mas, em meio a essa busca, encontramos obstáculos e é a forma com a qual lidamos com eles que nos permitem ter ou não ética.

Partindo do jornalismo e de sua relação com a ética – margem para discussões deste blog – observemos diferentes situações jornalísticas, e não menos pessoais.

Alguns casos sobre fontes

Muito se discute sobre as táticas exercidas pelos jornalistas, para com suas fontes, em busca de um fato. A palavra “fonte” já nos diz. Nós, jornalistas, “sugamos” todas as suas informações e nos sentimos “saciados” com tamanha façanha. Mas até onde vai nossa sede?

Pois bem! Comecemos com Truman Capote. Ao publicar A Sangue Frio, o célebre autor trouxe a tona um clássico do livro reportagem, mas também abriu margem para a discussão da ética.

Capote manteve, durante um ano e meio, uma relação um tanto quanto ambígua – e ainda hoje duvidosa – com uma de suas fontes, um dos assassinos da família Clutter, Perry Smith. Este só conseguiu revelar o desfecho do assassinato, quando sentiu-se extremamente íntimo e confiante de Truman. Já o autor, aproveitando-se da personalidade disfuncional de sua fonte, conseguiu tirar dela não apenas seu interesse maior, o fato em si, mas também um denso perfil psicológico e emocional.

Truman, por muitas vezes, deixou de lado princípios e moral na busca incessante da verdade. Desafiou as leis humanas ao utilizar apenas a memória como dispositivo de captação da informação. Entrou para a história ao criar, sem saber, o gênero literário: romance não-ficção.

Outro exemplo é o jornalista investigativo Caco Barcellos, escritor de memoráveis histórias sobre violência e injustiça social, que culminaram em dois livros reportagens: Rota 66 – A história da polícia que mata (1993) e O Abusado – O dono do Morro Dona Marta (2003).

Em O Abusado, chegou a visitar o ‘protagonista’ de sua obra, Marcinho VP, na prisão, em busca dos melhores relatos sobre a favela Santa Marta, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Essa estreita relação com um dos traficantes mais procurados do país rendeu-lhe além do livro, o prêmio Jabuti.

Marcinho VP, que não era nem um pouco tímido e um tanto quanto inteligente, já havia se estreitado com o rico cineasta João Moreira Salles, cedendo horas de entrevista que resultaram no documentário Notícias de Uma Guerra Particular. O traficante, soube, tanto quanto seus interessados, tirar proveito das trocas de informação e conseguiu com isso chamar a atenção da imprensa para os problemas de sua comunidade.

Essa é uma história de conquistas e de sorte, o vínculo criado entre jornalista e fonte foi proveitoso para ambas as partes e a ética esteve presente nessa troca de relações. Marcinho VP nunca foi uma fonte em off, provando que confiança e lealdade são essenciais para essa prática.

Menos afortunado é o caso de um jornalista que sofreu abusos de milícias no Rio de Janeiro. Na matéria, publicada na edição 59 da revista Piauí, lia-se o seguinte lead “Eu era fotógrafo de O Dia, em 2008, quando fui morar numa favela para fazer uma reportagem sobre as milícias. Fui descoberto, torturado e humilhado. Perdi minha mulher, meus filhos, os amigos, a casa, o Rio, o sol, a praia, o futebol, tudo.” (Confira na íntegra). A história deste jornalista, que não quis se identificar, não foi muito diferente da de Caco, mas o final sim. Porque? Seria a ética responsável por essa desavença, ou foi a sorte mesmo?

O que amargou a vida deste jornalista resultou da maneira como lidou com suas fontes. Por se tratar de um ato ilícito, a matéria teve que ser feita com escutas, identidades falsas e fotos tiradas escondidas. O papel deste jornalista era investigar as milícias, trazer à redação verdades sobre o fato, mas a forma como ele se dispôs a fazer isso é que definiram seu trágico desfecho.

Nos Princípios Editoriais das Organizações Globo, publicado a alguns meses, na sessão que trata sobre a relação do jornalista para com as fontes, chamou-me atenção uma frase, “A lealdado do jornalista é com a notícia”. Bom, vista sob contexto, a frase é um pouco menos penosa de como exposta acima. Mas mesmo assim, não nos deixa dúvidas das relações imorais com as quais alguns veículos lidam com suas fontes em busca de furos, sensacionalismo e ‘verdades’ – lembram-se do caso Murdoch e das atitudes antiéticas trazidas pelo jornal britânico, “News of the World”?

A não prática da ética pode culminar não apenas no fechamento de um dos tablóides mais antigos do mundo, mas também em situações irreversíveis para o ser humano. Devemos, antes mesmo de pensar na ética jornalista, pensar em nossa própria ética, em como a estamos praticando e entender que moral e princípios são fundamentais para o desenvolvimento do cidadão do mundo.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.” *

* Cecilia Meirelles, em Romanceiro da Inconfidência.


por Wendell Spadano.



O que é a liberdade? Se você acha que a Liberdade limita-se em poder tomar sol pelado (a) na laje de sua casa sem que ninguém o incomode, ou que é a Liberdade é o documento que você precisa pra sair da cadeia, você está enganado. A Liberdade é um “órgão” espiritual. E ao contrário do que muitos pensam, não é indiferente perante a realidade, mas sim inclinado ou orientado para descobri o novo. A liberdade é a capacidade de se autodeterminar na realização de qualquer ação, seja para o bem ou para o mal, mesmo que cause consequências inesperadas.
                Existem vários tipos de liberdades. A que eu mais gosto é a Liberdade a Indiferença, mas vamos deixar ela pra depois, porque antes vamos falar da mais importante delas, que está contida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, no seu art. 19, proclamando em favor de todos o direito à liberdade de opinião e expressão sem constrangimento. E também, o direito correspondente de investigar e receber informações e opiniões e de divulgá-las sem limitação de fronteiras. No Brasil também temos este direito garantido em Constituição, que explicita melhor a liberdade de informação no art. 5º, incisos IV (liberdade de pensamento); IX (liberdade de expressão) e XIV (acesso à informação) e no art. 220, § 1º (liberdade de informação propriamente dita).
                Isso quer dizer que fofocar não é crime, mas sair por aí expondo ou difamando a vida alheia pode levar-lhe a precisar do tal documento. Isso porque na Constituição, mais precisamente no art. 5º, inciso X, assegura a qualquer pessoa inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, prevendo indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.  Agora você sabe o que acontece aos Paparazzi das grandes revistas de fofocas, por isso não saia por aí colando cartazes do seu amiguinho feio, nem colocando vídeos de sexo fracassado com a seu namorado, eles podem se magoar e te processar judicialmente.
                Em se tratando de pessoas dotadas de notoriedade, em razão do exercício de suas atividades, pode ocorrer a revelação de fatos de interesse público sem a sua concordância. Nesta hipótese há uma redução espontânea dos limites da privacidade. Garantido graças a outro tipo de liberdade, a Liberdade de Imprensa, assegurada também na Constituição de 1988. O art. 220, caput da Carta Magna dispõe que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
O parágrafo primeiro desse artigo destaca ainda que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Inadmite-se toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (artigo 220, § 2º da Constituição Federal), não se esquecendo que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão, dentre outros, o princípio do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (artigo 221, inciso IV da Carta Magna).
Observa-se que há uma colisão de interesses entre a informação e a privacidade. O Estado de Direito exige uma imprensa livre, forte, independente e imparcial, afastando-se qualquer censura prévia do Poder Público, ao mesmo tempo que garanta proteção à honra, à vida privada e à imagem de todas as pessoas (inclusive, públicas), em respeito a dois princípios fundamentais consagrados na Carta Magna: dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) e prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, inciso II).
                Cabe ao jornalista e as empresas comunicacionais solucionar o problema, não se movendo por sentimentos de despeito, ânimo ou ciúme. Sempre exigindo do profissional a revelação de fatos importantes num certo momento, e não a utilização do material de modo oportunista. E o mais importante, a relevância social da informação. Se a liberdade à informação for de relevante interesse social, o direito à vida privada deve ser afastado em detrimento do interesse público-social dessa liberdade de informação plenamente definida e delimitada.
                Compete ao direito dissuadir, prevenir e punir os abusos da liberdade de expressão e de imprensa. Mas num conluio entrecruzado de interesses econômicos, políticos/ideológicos e comunicacionais a vontade de quem detém o poder manipula até mesmo os instrumentos jurídicos - elaborados para garantir a liberdade de expressão e prevenir os seus abusos -, para perseguir e silenciar todos aqueles que legitimam e responsavelmente se exprimem contra a tirania da mentalidade dominante opondo-se ao totalitarismo que subjuga e aliena a liberdade.
                Agora vamos falar da Liberdade de Indiferença, que nada mais é que não ter mais propensão a fazer uma do que outra, entre duas alternativas. Leibniz considerou a liberdade de indiferença impossível. Descartes a considerou o grau mais baixo da liberdade. Mas para mim, uma causa espontânea é uma causa não motivada por algo exterior e sim uma própria decisão nossa, apesar de dependermos de algo como dinheiro ou bens materiais, nossa decisão nos torna livre. Vou parar por aqui. Este texto ficou muito grande, não é? Mas se você chegou até aqui, que importa?! Não faz diferença...

Fontes:




Ser jornalista: bate-papo com Maurício Lara


Por Lucas Rodrigues*

Fotos: Pedro Cunha

Na última quarta-feira, a professora Ana Paola Amorim convidou, para um bate-papo sobre nossa futura profissão, o jornalista Maurício Lara, que tem formação de administrador de empresas e que, em seus trinta anos de carreira jornalística, já trabalhou em jornal local, nacional e sindical. Além de haver concluído o curso de Administração, antes de fazer Jornalismo, Lara é sócio de um instituto de pesquisa, mas garante que nunca teve dúvida da sua vocação primeira, afinal, segundo ele, “o sujeito começa a ser jornalista quando atende o telefone para a mãe, já anotando recado.” Atualmente, Lara escreve matérias para o caderno Gerais, do Estado de Minas, e recentemente, por mudanças de estrutura do jornal, deixou de registrar suas histórias do cotidiano na coluna “Pois É”, depois de quase quatro anos e cerca de 500 crônicas.

Em uma prosa séria, mas descontraída, o jornalista debateu temas atuais e polêmicos, como internet, imprensa mineira e a prática jornalística. E cravou: “enquanto o computador não aprender a criar, o jornalista terá trabalho.”

Ao analisar o jornalismo, Lara costuma utilizar dois pares de termos semelhantes para duas situações distintas, mas interligadas. Segundo ele, é uma profissão “doida e doída.” “Doida” porque você nunca sabe o que te espera: é rotina entrar em uma redação e descobrir naquele momento o que você irá cobrir. E isso tem o seu valor. Já “doída”, se refere, por exemplo, às “300 matérias sobre INSS ou sobre crianças sem lar que os jornalistas são obrigados a testemunhar e noticiar durante a carreira”. Afinal, esse é um quadro que dificilmente irá mudar. Além disso, para exercer a profissão, deve-se ter “compaixão” e fazê-la “com paixão”: “o jornalista deve dar o mesmo grau de importância à uma simples história de um cidadão comum e à compra de um grande banco”, sendo assim, é fundamental que ele sinta amor pelo ser humano e pela profissão.

A internet, muito relacionada ao trabalho do jornalista atualmente, é, na visão de Lara, a coisa mais próxima do buraco sem fundo, o infinito. “Uma possibilidade fantástica, mas um perigo, porque aceita tudo.” Para ele, o complemento – na apuração – pode ser feito na internet, mas a essência da matéria deve continuar sendo buscada na rua, onde ela acontece. Aproveitando o gancho, se o jornal virtual já o cativou, ele diz que continua lendo o jornal no banheiro, e se for o caso, leva o laptop para lá.

Em relação à imprensa mineira, até porque Lara trabalha no jornal mais popular do estado, ele acredita que sim, existe uma pressão sobre ela. E exemplificou: quando Aécio Neves foi flagrado no Rio de Janeiro pela Lei Seca, um sujeito na redação argumentou dizendo que estavam usando muito esse negócio de pegar gente famosa na Lei Seca, que isso já estava sendo muito promovido pela polícia. Lara se questiona: “quando ele falou isso em cima do fato do Aécio Neves, eu fiquei me perguntando se ele não estava justificando, na consciência dele, o fato do jornal não ter dado importância àquilo. Quer dizer, ele estava achando uma justificativa para ele mesmo.”

Ainda sobre a imprensa, ele avalia que, na recente manifestação dos professores, não era possível saber o argumento de ninguém: “os jornais não conseguem fazer uma cobertura que seja equilibrada. O sindicalismo é muito ruim em serviço quando ele fica parando o trânsito na Praça Sete, prejudicando gente que está passando mal, que está indo buscar criança na escola. Por outro lado, o governo fica com uma série de conversas que você não entende. A mídia não desempenha o papel que poderia desempenhar. Faz mal seu papel.” Segundo Lara, com cuidado, os jornais que explicitam a sua opinião dizendo “tenho um lado, sim, é este lado aqui”, podem colher frutos, já que eles estão numa situação de buscar um caminho ou vão acabar: “ninguém vai comprar um jornal pra saber quanto que foi o jogo de ontem. Todo mundo já sabe, nem que seja pelo celular.” E o fato de terem que procurar outro caminho também é positivo na medida em que “é possível retomar a ideia das grandes reportagens, além de surgir pautas mais criativas, diferentes, onde haveria um financiamento para a viagem do repórter.” Ele cita o exemplo do próprio Estado de Minas, que anda investindo em matérias mais aprofundadas.

Dentre os temas discutidos no encontro, a imparcialidade, para o jornalista, é difícil de alcançar tanto quanto aquela espiga de milho pendurada na frente do burro. Já a banalização do off pode ser salva pelo lado peão do jornalismo. “Um jornalismo apurativo, se é que ele existe: temos que buscar a grafia correta, a data correta, a informação correta.” Aliás, segundo Lara, o dia em que a vendagem de um jornal for definida pela sua qualidade, estaremos no melhor dos mundos.

Maurício, que nos concedeu esse bate-papo sobre experiências que estamos buscando, pensando na atividade jornalística, lembrou o quão importante é a nossa essência. No nosso mundo pós-moderno, ávido por novidades, essa lembrança nos faz refletir que talvez seja bom, de vez em quando, olharmos pra nós mesmos.

Afinal, “aspas são aspas” e, se o jornalista está sendo fiel ao fato, a ética não é comprometida.

*Editado por Diego Suriadakis e Pedro Cunha.

Colaboraram Bruno Dávila e Vitor Mello.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Entre o jornalista e o assassino

por Pedro Cunha

A primeira frase do livro de Janet Malcolm – O jornalista e o assassino – já imputa na consciência do leitor certos questionamentos a respeito da prática jornalística. Malcolm é uma renomada jornalista norte-americana da revista New Yorker e inicia o seu livro dizendo que a atividade jornalística é moralmente indefensável e que o profissional que a exerce se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. A introdução, que já demonstra a seriedade do fato e seus decorrentes que serão tratados ao longo do livro, é uma breve reflexão dada de forma discursiva sobre a relação entre o escritor e o personagem. O primeiro, que a princípio demonstra um interesse amigável e solidário de compreender a vida do segundo, na verdade não tem essa nobre intenção que parecia evidenciar, e sim a construção de sua própria história e sucesso. Janet Malcolm chega a comparar personagens de um livro de não ficção à cobaias de experimentos científicos, por esses serem enganados, para que o experimento chegue ao fim do modo mais satisfatório para o cientista.

O fato que precede a discussão calorosa construída por Janet Malcolm em sua introdução é o assassinato ocorrido nos Estados Unidos em 17 de fevereiro de 1970, no qual a esposa grávida do médico Jeffrey MacDonald, Colette, de 26 anos, e as duas filhas do casal, haviam sido mortas a pauladas e facadas no apartamento da família em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Porém o que levou Malcolm a escrever o seu livro não foi somente o assassinato em si, e sim o fato de MacDonald ter sido julgado como assassino e ter contratado o jornalista Joe McGinniss para relatar em um livro a sua história, mais precisamente o recorte desse fato e as suas consequências: o julgamento e a prisão. Mas, o que deveras instigou Janet Malcolm a escrever “O jornalista e o assassino” foi a trama desenvolvida a partir da trajetória de Joe McGinniss para a construção de “Fatal Vision”, o livro que se tornaria o contrário das expectativas de Jeffrey MacDonald de contar a sua história, e, se tornaria também, um grande Best-seller de não ficção nos Estados Unidos.

Janet Malcolm relata com clareza e destreza o caminho de McGinniss até a conclusão do livro que tanto lhe soou a camisa, o “Fatal Vision”, e, em paralelo a isso, provoca discussões que constroem grandes dilemas sobre a ética jornalística. Atividade essa que levou McGinniss aos tribunais, acusado pelo seu personagem principal, MacDonald, por infidelidade e calúnia, pois o jornalista nunca havia deixado claro que o seu livro chegaria à conclusão de que o médico de fato era um assassino. E para chegar ao fim da narrativa, McGinniss manteve uma relação próxima e amigável com o médico, enquanto esse já estava na cadeia, mas nunca suspeitando que o jornalista que outrora havia feito um acordo de escrever a história do médico injustiçado construiria um livro que, do contrário, o condenaria.

Janet Malcolm tece a trama por meio de suas impressões do julgamento de Joe McGinniss – que contou, inclusive, com a presença de outros jornalistas que constituíam a chamada “comunidade literária”: William F. Buckley Jr., Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Victor Navasky, J. Anthony Lukas e Wambaugh –, de resgates de cartas de McGinniss ao médico MacDonald, entrevistas feitas com o próprio jornalista e outros envolvidos e uma bela apuração e senso crítico.

É um livro que merece uma atenção singular, – não só dos jornalistas e aspirantes – por ser um exemplar que engloba características de uma boa apuração, reflexões quanto a prática e ética jornalística e um aprendizado sobre a construção do texto jornalístico nas suas mais variadas formas, utilizadas com aprumo por Janet Malcolm.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Veja e News of the World: comparações possíveis?

por Ana Paola Amorim

“O poderoso chefão” é o título da polêmica reportagem da revista Veja de 31 de agosto sobre supostas “atividades clandestinas” do ex-ministro José Dirceu, um dos denunciados no processo do “mensalão”, em tramitação no Supremo Tribunal Federal. Segundo a reportagem, Dirceu estaria mantendo, em um quarto de hotel cinco estrelas em Brasília, um gabinete onde conspiraria contra o governo da presidenta Dilma Roussef. As reações no meio jornalístico foram motivadas pelos métodos utilizados na apuração da reportagem. A proximidade do acontecido com o fechamento do tablóide britânico “News of the World” por uso métodos ilícitos na apuração de suas reportagens estimulou análises que apontavam semelhança dos casos. Seriam manifestações de um problema comum à imprensa como um todo?

Essa questão foi apresentada aos alunos matriculados na disciplina de Legislação e Ética Jornalística, do curso de Jornalismo da Fumec, com a proposta de fazer um texto coletivo. No entanto, foram produzidos pelo menos dois bons textos sobre o caso, com abordagens diferentes. Um texto foi produzido em conjunto pelas alunas Amanda Gama e Ana Flávia Belloni e o outro, pelas alunas Elisa Heringer e Larissa Borges. Optamos por apresentá-los na íntegra, compondo um debate oportuno sobre ética profissional. Os textos estão na sequência, abaixo.

O caso levanta questões graves que têm sido muito discutidas, embora nem sempre aprofundadas, sobre métodos de apuração, tais como uso excessivo de declarações em off, câmaras escondidas etc. Em pauta, o risco de banalização do conceito de jornalismo investigativo. Outra questão, muito importante, é a relação da imprensa com a política. Há um trecho do texto de Amanda e Ana Flávia, que tomo a liberdade de destacar, sob alerta de que, como se trata de um extrato, prejudica o contexto. Mas levanta uma questão importante: “Para a opinião pública, tratando-se de ética ou não, todos ficam satisfeitos em saber que estão por dentro do que ocorre na política, uma área que nunca mereceu muita confiança”. Penso que essa última observação da frase, da política como área de desconfiança por definição merece também atenção de todos nós. É assunto para outra pauta específica. Não estaríamos nós a alimentar a espiral do cinismo ao reforçar estereótipos sem esclarecê-los? Só uma pergunta.

Convidamos aos leitores do blog que participem do debate com seus comentários. O sempre repórter Ricardo Kotscho, em seu blog, saiu em defesa da profissão: “Não tenho procuração para defender o ex-ministro José Dirceu, nem ele precisa disso. Escrevo para defender a minha profissão, tão aviltada ultimamente pela falta de ética de veículos e profissionais dedicados ao vale-tudo de verdadeiras gincanas para destruir reputações e enfraquecer as instituições democráticas”. Para íntegra do post: http://noticias.r7.com/blogs/ricardo-kotscho/2011/08/29/reporter-nao-e-policia-imprensa-nao-e-justica/print/. Compartilhamos dessa abordagem. É isso que queremos colocar em pauta.

Veja e os métodos de apuração

por Elisa Heringer e Larissa Borges

A revista Veja de 31 de agosto de 2011 trouxe na capa José Dirceu com os dizeres: o poderoso chefão. Na reportagem de Daniel Pereira e Gustavo Ribeiro o ex-ministro da casa civil é denunciado por manter um gabinete dentro de um hotel em Brasília, onde recebia políticos importantes e conspirava contra o governo da presidente Dilma.

A polêmica da questão é devido às supostas provas que a revista conseguiu. O repórter Gustavo Ribeiro enganou a camareira do hotel para entrar no quarto. Sem obter sucesso na ação o repórter fugiu. A invasão ao quarto de Dirceu foi denunciada e registrada na 5ª Delegacia de Polícia.

Além disso, a reportagem traz imagens dos políticos que visitaram o ex-ministro, supostamente sendo do circuito interno do hotel. Segundo Luiz Eduardo Nascimento, em seu texto no observatório da Imprensa (29/08/2011), estas imagens não seriam do circuito interno, mas sim de uma minicâmera espiã wi-fi. De acordo com Nascimento, as imagens apresentadas pela revista não mostravam a data e o horário da gravação, teria uma resolução inferior às das câmeras de circuito interno, e, além disso, o posicionamento da câmera não privilegiava a tomada de todo corredor do hotel, mas apenas de uma parte.

Com todos estes elementos apresentados a denúncia da revista Veja pareceu ser frágil e inconsistente, segundo Alberto Dines, em seu artigo no Observatório da Imprensa (30/08/2011). Dines afirma que a matéria “recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada”. E Dines tem razão. Ao analisar as provas apresentadas podemos perceber a intenção da revista em derrubar a imagem de José Dirceu com insinuações e provocações.

A comparação com o caso da revista Veja ao escândalo do jornal News of the World é inevitável. O jornal de Rupert Murdoch adotava práticas de investigação semelhantes, obtendo escutas ilegais de mensagens telefônicas, pagamento de propina a policiais, entre outras coisas.

Ambos os casos demonstram como a prática jornalística feita sem ética pode resultar em acusações falsas e escândalos. A mídia não pode ter um poder sem controle e limites. O Brasil e o mundo precisam urgentemente parar e refletir sobre o poder da comunicação e sua necessidade de regulamentação.

Não é de hoje que a revista Veja é protagonista de episódios de falsas denúncias. Por trás de tudo isso, sabemos que existem interesses maiores e mais complexos que envolvem denúncias a políticos e partidos. Prova disto, foi que a reportagem da Veja foi noticiada nas emissoras Record e SBT, e silenciado na Folha, Estadão e Globo.

Se, no Brasil, houvesse uma lei mais rígida contra os abusos da imprensa, a revista Veja seria processada, jornalistas presos e empresas desistiriam de anunciar no veículo. As portas se fechariam da mesma forma como aconteceu com o tablóide britânico.

Antiético ou não?

por Ana Flávia Belloni e Amanda Gama

Até que ponto a ética deve ser empregada no jornalismo? Ao lermos alguns artigos sobre o caso José Dirceu publicado na prestigiada Revista Veja (31/08/2011), paramos para refletir sobre a empregabilidade desta ferramenta indispensável para a manutenção da informação concreta e certeira.

José Dirceu é acusado de administrar um governo paralelo ao de Dilma em um quarto de hotel, juntamente com outros conhecidos nomes do parlamento. A revista Veja, que não poderia deixar de lado seu faro investigativo, trouxe à tona fato, divulgando imagens de Dirceu em uma de suas várias reuniões semanais.

Tudo isso só foi possível porque um dos jornalistas da Veja se hospedou no andar de Dirceu. Para a opinião pública, se tratando de ética ou não todos ficam satisfeitos em saber que estão por dentro do que ocorre na política, uma área que nunca mereceu muita confiança.

Como sabemos, a conceituada revista é capaz de quase tudo para sair na frente e sempre publicar algo novo e alarmante. Agora, o acontecido foi parar nas mãos do advogado Hélio Madalena que é quem paga e registra o quarto no hotel de luxo, utilizado por Dirceu quando este vem a Brasília.

O advogado pretende processar a revista semanal não pela utilização de identidade falsa usada pelo jornalista, que alegava ser assessor do prefeito de Varginha, mas sim pelo teor da matéria publicada na revista. Ainda de acordo com Madalena, a Veja sabe o que faz e a quem deve escolher, começando por aqueles que considera como inimigos.

O caso Dirceu, apurado pela revista Veja, pode ser facilmente comparado com o de Rupert Murdoch, o empresário do grupo News Corp e proprietário do tablóide News of the World, acusado de fazer mais de 4 mil grampos ilegais.

Podemos perceber que ambos os fatos fazem uso de meios caracterizados até então como antiéticos, que só podem ser utilizados após uma liberação judicial e em casos especiais.

No caso de Dirceu a revista Veja não extrapola em suas apurações, visto que esta possui respaldo no Capitulo III, art.11 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros que diz assim:

O jornalista não pode divulgar informações:

“III - obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração;”

Portanto, não se pode afirmar que a revista Veja e a denúncia do caso Murdoch sejam antiéticas, uma vez que de certa forma tratam-se de assuntos de interesse público e algo que realmente merece ser divulgado na mídia. O profissional de jornalismo tem como função levar a informação à população, mas sempre seguindo as indicações previstas em seu código de ética.

Outro ponto que deve ser destacado e que ambos os casos não ganharam a visibilidade esperada nem mesmo pelos jornalistas, pois ao que parece já se convencionou a pensar a mídia como uma grande revista de escândalos e fofocas.

No entanto, não devemos generalizar, mas não se pode negar , por exemplo, no Brasil que uma parte considerável do código de ética dos jornalistas está sendo ignorada.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

12 homens, uma sentença e múltiplas abordagens



Por Larissa e Elisa


Claustrofobia, tensão e incertezas. Ao menos esses sentimentos são evocados em quem assiste ao filme "12 homens e uma sentença", dirigido por Sidney Lumet em 1957. Filmado em preto e branco e ambientado dentro de uma sala pequena, em um dia quante do verão nova-iorquino (são duas tomadas externas durante todo o longa), a obra de Lumet pode ser analisada de diversos ângulos. E, talvez, foi produzida com esse propósito.

No longa, um júri composto por 12 homens é convocado para decidir a sentença de um crime. Um jovem de 18 anos é acusado de matar o pai. Culpado ou inocente? O veredicto deve ser unânime, sendo que a sentença de culpado leva à cadeira elétrica. Para acabar logo com o julgamento, onze dos jurados votam que o rapaz é culpado. Mas, o jurado número oito (interpretado por Henry Fonda) vota inocente. Como argumento afirma: "Quando há 11 votos para culpado não é fácil, simplesmente, levantar a minha mão e mandá-lo para a morte sem conversar primeiro". A partir daí, o filme se desenrrola e as provas apresentadas pela promotoria, que justificavam os fatos, vão sendo refutadas. A personalidade de cada integrante do grupo também começa a aparecer e vamos percebendo que, por trás de cada sentença, existem experiências de vida, preconceitos, mágoas, desinteresse e falta de opinião.

Alguns pontos chamaram a nossa atenção na obra. Primeiro, o cenário. A sala é desconfortável, pequena, quente. Tudo isso gera uma sensação de sufocamento, de ansiedade e impaciência. É nessa atmosfera que os jurados precisam decidir a vida de uma pessoa desconhecida. Todo o ambiente estimula a rapidez na tomada de decisão, a vontade de se ver livre daquela situação incômoda. Segundo, como os personagens são apresentados. Durante grande parte do filme não sabemos o nome dos personagens e, creio que nem seja preciso. Existe no nosso cotidiano, todos os tipos humanos representados no filme. O indeciso, o que parte para a violência física quando não tem argumentos, o indiferente, o burocrático, o sensato. Isto torna a obra atemporal, além de ser uma crítica (ou sátira, por que não?) do comportamento humano.

E terceiro, mas não menos importante, a questão da dúvida razoável. O que é verdade? Existe uma verdade absoluta, inabalável? O filme nos mostra que devemos sempre repensar as nossas decisões, consolidar os nossos argumentos da maneira mais insenta possível. Não insenta de subjetividade, mas de juízos pré-concebidos por outros e por nossas vicências. Prestar atenção nos detalhes, nas entrelinhas, no que está oculto por trás dos relatos sobre os fatos. Diferenciar a verdade factual da verdade construída. A factual é o assassinato do pai e ponto. A construída são as versões dadas para esse fato, o que foi dito pelo réu, pelas testemunhas e pelos advogados. (Atenção: não se prenda a essas definições!). E, é nesse ponto, que percebemos o quanto o filme se aproxima do jornalismo.

Acreditamos que um dos princípios do jornalismo é questionar. Assim como Henry Fonda questiona a opinião dos jurados, fazemos o exercício diário de questionar, não os fatos em si, mas as interpretações que nos são dadas de um fato. Esse questionamento é visto mais claramente no processo de apuração. Por isto apurar é uma das tarefas mais difíceis e importantes na profissão. Exige faro, dedicação, argumentos bem elaborados, abordagens diferentes, investigação, suposições e objetividade.

A tão idealizada objetividade jornalística... Quando falamos de objetividade aqui, não nos referimos a objetividade que busca a imparcialidade total, mas como método. Usar a objetividade como estratégia na hora de colher as informações sobre o fato. Tentar encontrar o ponto em que relato e fato estão desencaixados, já que o problema em si não é o fato, mas o como e o por quê daquele acontecimento. Além dos mais, já está mais do que provado que o nosso relato é mais uma versão do fato ocorrido, pode ser a versão mais plural de todas, mas não é a única nem a mais certa.

Talvez por isso a necessidade de se ter um código de ética na profissão. Para nos fazer examinar a nossa consciência na hora de praticar o jornalismo. Para refletir sobre o poder das palavras, as consequências que o seu uso mal empregado pode causar na vida de alguém. Para lembrar que sempre há, no mínimo, dois lados para um mesmo acontecimento. E para não esquecer que somos humanos, não deuses. Portanto, falhamos.

Assista um trecho do filme: