segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Entre o jornalista e o assassino

por Pedro Cunha

A primeira frase do livro de Janet Malcolm – O jornalista e o assassino – já imputa na consciência do leitor certos questionamentos a respeito da prática jornalística. Malcolm é uma renomada jornalista norte-americana da revista New Yorker e inicia o seu livro dizendo que a atividade jornalística é moralmente indefensável e que o profissional que a exerce se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. A introdução, que já demonstra a seriedade do fato e seus decorrentes que serão tratados ao longo do livro, é uma breve reflexão dada de forma discursiva sobre a relação entre o escritor e o personagem. O primeiro, que a princípio demonstra um interesse amigável e solidário de compreender a vida do segundo, na verdade não tem essa nobre intenção que parecia evidenciar, e sim a construção de sua própria história e sucesso. Janet Malcolm chega a comparar personagens de um livro de não ficção à cobaias de experimentos científicos, por esses serem enganados, para que o experimento chegue ao fim do modo mais satisfatório para o cientista.

O fato que precede a discussão calorosa construída por Janet Malcolm em sua introdução é o assassinato ocorrido nos Estados Unidos em 17 de fevereiro de 1970, no qual a esposa grávida do médico Jeffrey MacDonald, Colette, de 26 anos, e as duas filhas do casal, haviam sido mortas a pauladas e facadas no apartamento da família em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Porém o que levou Malcolm a escrever o seu livro não foi somente o assassinato em si, e sim o fato de MacDonald ter sido julgado como assassino e ter contratado o jornalista Joe McGinniss para relatar em um livro a sua história, mais precisamente o recorte desse fato e as suas consequências: o julgamento e a prisão. Mas, o que deveras instigou Janet Malcolm a escrever “O jornalista e o assassino” foi a trama desenvolvida a partir da trajetória de Joe McGinniss para a construção de “Fatal Vision”, o livro que se tornaria o contrário das expectativas de Jeffrey MacDonald de contar a sua história, e, se tornaria também, um grande Best-seller de não ficção nos Estados Unidos.

Janet Malcolm relata com clareza e destreza o caminho de McGinniss até a conclusão do livro que tanto lhe soou a camisa, o “Fatal Vision”, e, em paralelo a isso, provoca discussões que constroem grandes dilemas sobre a ética jornalística. Atividade essa que levou McGinniss aos tribunais, acusado pelo seu personagem principal, MacDonald, por infidelidade e calúnia, pois o jornalista nunca havia deixado claro que o seu livro chegaria à conclusão de que o médico de fato era um assassino. E para chegar ao fim da narrativa, McGinniss manteve uma relação próxima e amigável com o médico, enquanto esse já estava na cadeia, mas nunca suspeitando que o jornalista que outrora havia feito um acordo de escrever a história do médico injustiçado construiria um livro que, do contrário, o condenaria.

Janet Malcolm tece a trama por meio de suas impressões do julgamento de Joe McGinniss – que contou, inclusive, com a presença de outros jornalistas que constituíam a chamada “comunidade literária”: William F. Buckley Jr., Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Victor Navasky, J. Anthony Lukas e Wambaugh –, de resgates de cartas de McGinniss ao médico MacDonald, entrevistas feitas com o próprio jornalista e outros envolvidos e uma bela apuração e senso crítico.

É um livro que merece uma atenção singular, – não só dos jornalistas e aspirantes – por ser um exemplar que engloba características de uma boa apuração, reflexões quanto a prática e ética jornalística e um aprendizado sobre a construção do texto jornalístico nas suas mais variadas formas, utilizadas com aprumo por Janet Malcolm.

Nenhum comentário:

Postar um comentário