quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A censura anda mudada, cortou o cabelo, fez a barba, pintou as unhas.

por Diego Suriadakis

A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados Federal é um corpo composto por uma equipe multidisciplinar de duzentos especialistas que presta assessoramento às comissões técnicas da Câmara e aos demais órgão do Parlamneto brasileiro.

Vinte anos após a promulgação da Constituição Federal que vigora no país, esse órgão empreendeu esforços e botou no papel uma coletânea de ensaios sobre o impacto das disposições da Carta Magna na sociedade brasileira, para análises de aplicabilidade e/ou reorientação de políticas públicas. Nem precisamos dizer que à Comunicação Social foi dedicada uma seção da obra.

Com a profusão de informações interessantes, leves e oficiosas oferecidas aos jornalistas da era da máquina, falar duma obrigatoriedade de leitura para obras oficiais seria quase forma censura. Mas como a parte do calhamaço virtual que diz respeito a nós - quase-comunicólogos em atividade - é de fácil acesso (http://bit.ly/sAoIZh) e leitura, acredito que tal parecer merece alguma fresta de nossa difusa atenção.

Falando em censura, nesta postagem, convido o atencioso leitor a uma pequena aventura na história dessa no Brasil. Ou melhor, convido-o a um raso mergulho no texto que Bernardo Estellita Lins escreveu para o livro Ensaios sobre impactos da Constituição Federal de 1988 na sociedade brasileira. O cara é membro do Conselho Consultivo da Anatel, formado em Engenharia Civil pela UNB, pós-graduado em Análise de Sistemas pela ETUC, mestre e doutor em economia pela UNB e a ele coube a tarefa de traçar o panorama da palavrinha mais azeda amarga e salgada – tudo ao mesmo tempo – para a bôca, pequena ou grade, dos da mídia.

Intitulado O tratamento da censura na Constituição de 1988: da liberdade de expressão como direito à liberdade vigiada, o ensaio é concluído da seguinte maneira:

“Mesmo sob disfarce, mesmo com limites, [a censura] é um pecado original da sociedade, lastreado na crença de que “os outros”, indistintamente, são mais frágeis do que “nós” e precisam ser tutelados sem reservas. Não é verdade. Somos todos iguais perante a lei e perante a coletividade. Se não pudermos responder por nós mesmos, não merecemos liberdade.” (LINS, 2008. p157)


Agora, abandono de todo o linguajar decente que me prestou à apresentação da querela e partamos leitor, para a ignorância, a apontação e dedos e a opinião, faculdades essas, as mais tentadoras proporcionadas pelo idioma na blogsfera. Quem se incomodar que leia a íntegra.

O autor se mostra preocupado. A censura ainda existe. As garantias de liberdade para expressão, apresentação e divulgação do trabalho intelectual e artístico previtas pela Carta Magna, na prática, ganham formas reestruturadas e remodeladas de cerceamento. Formas atuais de controle se fazem presentes sim, mas vamos devagar.

Começando do começo, Lins recorda do que a Inquisição operara nas terras de cá. Mesmo que na Europa a queima de livros já andasse meio demodeé, os corteses – ou cortesãos, caso prefiram –, digo, os da Corte, impediam o a circulação de obras, o funcionamento de gráficas e a posse de determinados livros na colônia dava treta real. Era uma época na qual a Igeja se metia, dava de comer ao carrasco e além da coerção à circulação dessas obras do intelecto, também o censor era atento aos usos e costumes. Toda forma de decote era castigada.

Com a Independência, as coisas afrouxaram um pouco. Veja bem, um pouco. A proibição passou das mãos do Estado e da Igreja para as da Polícia do Império. Grandes mudança. Nosso teatro, importante forma de divulgação do bel-pensar brasileiro, sofreu. Entre 1834 e 1843, nada de espetáculos no Rio de Janeiro, imagine você. A abolição andava sendo discutida com fervor nesse período. Era o palco o ‘perigoso’ instrumento de propagação do ideário Castro Alves e outros sensatos. Foi criado inclusive um Conservatório Dramático Brasileiro, com função e caráter dúbio: estimular as artes e... claro, controlar sua divulgação. Era prestígioso participar desse órgão. Machado de Assis e Quintino Bocaiúva, por exemplo foram seduzidos e trabalharam nesse comitê.

Novo fôlego para os cortes nas primeiras décadas do novo século. Lei de Imprensa promulgada em 1920, tipificando extensa lista de ‘crimes’ que poderiam ser cometidos pelos profissionais de imprensa. No primeiro governo Vargas, na década de 30, a coisa arrochou de vez. Surgiu o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. O controle do Estado chegou a nível estrambólico. Imprensa, teatro, cinema e rádio, tudo passava por crivo prévio. Nessa época entrou em cena também uma danada de uma verba de destino duvidoso. Resultado: donos de jornais e jornalistas que colaboraram com o DIP enriqueceram.

O DIP caiu junto com Vargas. Segundo o autor, após o fim da Segunda Guerra o país viveu um período de relativa liberdade de expressão. Eram os Anos JK. Uma ou outra portaria impedia algúem de trabalhar – Carlos Lacerda, por exemplo, fora proibido de dar entrevistas. Ente a renúncia de Jânio Quadros e a posse de Jango muito repórteres foram presos e jornais ocupados. Era um período nebuloso que se anunciava.

O mais duro golpe sofrido pelas Comunicações no Brasil acontece em 64. A censura se especializa já que agora é competência da polícia federal. Com a Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a Lei de Imprensa do regime, a coisa turva ainda mais. Até publicações estrangeiras passaram a ser censuradas. Em novembro de 68 era criado o Conselho Superior de Censura e a coisa chega a seu ápice em dezembro deste mesmo ano. Com o AI – 5 em vigor, qualquer barulho ou fagulha era fogo em potencial. Artista correndo do país, jornalista em cana, pelas rua......................( C.E.N.S.U.R.A.D.O.)

Os anos 70 estão dentro daquele parêntese no parágrafo acima. Uma brisa começa a soprar no governo Geisel e é exatamente nesta brisa que entra a trasformação na natureza da censura, segundo o autor. A guinada na essência do controle se dá pela entrada da figura do censor travestida de produtor cultural de programas de rádio e televisão.

A Carta Magna de 88 proíbe enfaticamente a censura como a conhecíamos mas no entanto abre a possibilidade de uma forma de coerção de caráter informacional. Tal procedimento, segundo Lins é moda nas demnocracias modernas. É a classificação indicativa de conteúdo e se dá de dois modos:



- Pura: informação sobre a natureza do conteúdo e a faixa etária a qual se detina;
- Mista: associa à primera forma as faixas de horário de exibição e restringe acesso a espetáculos em função da classificação etária indicada.

Como a classificação indicativa tem efeito limitado o Estado acaba migrando para a forma híbrida ou mista.

A ação pública de limitação ecoa na sociedade. Empresas e poder público vêm empreeendendo desde então uma batalha quase nunca noticiada. A televisão, que penetra em 97% dos lares brasileiros, constitui o principal front desta peleja. Na TV aberta o controle é dificultado, mas nos canais por assinatura códigos de acesso ou senhas para determinado conteúdo podem ser acionados. Violência, erotismo, pornografia são a pólvora da vez.

A audiência pede, a emissora precisa da audiência, o governo tenta intervir. O ciclo recomeça, tal como em outro front, o da publicidade e propaganada, nas questões que envolvem a divulgação dos ditos produtos danosos à saúde. Artigo 220, parágrafo 4°, da mesma Carta. Mas e a cervejinha?, você diria. Essa continua bela e respingante em rede nacional.

A censura de costumes corre o risco de ser substituida por uma censura política, é o que defende Lins. Em tempos de resgate do politicamente correto, um anseio social acaba sendo institucionalizado. O cidadão que se regorjiaza com o explosivo filme americano se virtualiza nas curvas da jovem asiática via webcam. Sua tara vira um “um cacoete do debate político, desideologizado, esgrimido por todas as partes. E passa a ser usado, na prática, como uma ferramenta de coerção, de preservação do poder. Apropriado por quem está ‘lá em cima”, independente de partido ou de convicção.

A censura passa a ser válido para o “outro”, e nunca para ele mesmo.

Um comentário:

  1. Olá, Diego!
    Bom assunto para postagem. Mas penso que a questão da censura merece um exercício de reflexão conceitual um pouco mais apurado e demorado, pois que é complexo. Sugiro que confira o trabalho da historiadora Beatriz Kushnir - cães de guarda. Ela trata da censura no período da ditadura implantada pelo golpe civil-militar de 1964. Verá que a censura não é apenas uma prerrogativa estatal.
    Outra coisa: classificação indicativa não é censura... Pelo menos, ponho esse assunto em discussão. Eu não a considero dessa forma.
    E, ainda: Lins não falou nada sobre a censura judicial? E sobre a censura econômica? E sobre nossa cultura da censura? Tantas perguntas... diria Brecht.
    Abraço!

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